José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
O poema de Carlos Drummond de Andrade oferece boas
possibilidades de se trabalhar sobre múltiplas perspectivas de análise:
Semântica, Pragmática e até a Análise do discurso. É riquíssimo em
profundidade e conhecimento da fraqueza humana, particularmente a
fraqueza do homem diante de si mesmo.
Para se trabalhar este poema em sala sob a perspectiva
pragmática acredito que seria interessante apresentar previamente um
breve resumo da vida e obra do poeta, bem como uma noção do universo
melancólico encontrado com frequência na linguagem poética. Isso poderia
influenciar os alunos a uma leitura menos “estranhada” em relação ao
poema. A leitura poderia ser feita inicialmente pelos alunos, fazendo-os
estabelecerem o primeiro contato com o poema e buscando extrair deles
suas impressões iniciais que seriam registradas pelo professor no quadro. A segunda leitura
poderia ser feita pelo professor, ou um aluno consciente da entonação
adequada ao ler o poema. Essa leitura se destinaria a fazê-los perceber a dramaticidade em que
se encontra José. Após essa segunda leitura partiríamos para o estudo de
cada estrofe do poema destacando algumas palavras buscando provocar os
alunos quanto às verdadeiras intenções do poeta ao usá-las, tais como:
· O que significam os diversos eventos que acabaram na primeira
estrofe? “A festa acabou, a luz apagou...” Ele estava realmente em uma
festa?Está triste só por causa do fim da festa? José faz versos, José é
poeta também, ou José e o Autor são um só?
· Destacaria junto com eles a gravidade da solidão de José que na
segunda estrofe não tem nenhuma fuga, nem bebida, nem fumo, nem mulher.
· Perguntas provocativas e reflexivas seriam feitas a respeito da antítese gula e jejum, dos pertences burgueses como a biblioteca ou sua
fortuna e ainda trabalharia a figura austera e frágil de um terno de
vidro.
· Pela prévia pesquisa sobre a vida do autor, sutilmente faria os
alunos perceberem os pontos comuns entre José e o poeta (Minas de ontem
que já não existe mais), a dureza do ferro (Provável referência à
produção de aço de sua cidade natal: Itabira).
· O fato do nome comum e tão “brasileiro”, José, seria destacado
fazendo-os perceber o caráter de coletividade popular que essa
denominação traz em si.
Todos esses pontos em destaque se encaixariam em uma aula
destinada a alunos com certo grau de maturidade (2º ou 3º do médio) e
toda a metodologia seria feita por meio de análise de grupo. O
fechamento da aula seria feito através de uma segunda produção textual
que seria comparada com a primeira produção que eles haveriam feito
antes de toda a reflexão. Isso os ajudaria a perceber a profundidade da
linguagem e seus significados e o que é preciso fazer para se atingir
esse nível: Refletir sobre as várias possibilidades que se pode
encontrar nas palavras dentro de um contexto.
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