O GIGANTE EGOÍSTA
Oscar Wilde
Fonte da imagem: <http://polivocidade.blog.br/2010/05/01/literamundo-o-gigante-egosta-oscar-wilde/>
Todas as tardes, ao
saírem do colégio, as crianças costumavam a ir brincar no jardim do Gigante.
Era um jardim lindo
e grande, com grama verde e suave. Aqui e ali, sobre a grama, apareciam flores
belas como estrelas, e havia doze pessegueiros que, na primavera, abriam-se em
flores delicadas em tons de rosa e pérola, e davam ricos frutos no outono. Os
pássaros pousavam nas árvores e cantavam tão docemente que as crianças
costumavam parar de brincar para ouvi-los.
- Como nos sentimos
felizes aqui! - exclamavam elas.
Certo dia ele
voltou. Ele tinha andado visitando seu amigo, o ogro da Cornualha, e ficara
sete anos com ele. Depois de sete anos ele já havia dito tudo que tinha o que
não tinha para dizer, já que sua conversa era limitada, e resolveu voltar para
seu próprio castelo. Ao chegar, ele viu as crianças brincando no jardim.
- O que é que vocês
estão fazendo aqui? - gritou ele com uma voz muito ríspida, e as crianças
saíram correndo.
- O meu jardim é
meu jardim - disse o Gigante. - Qualquer um pode compreender isso. Eu não vou
permitir que ninguém brinque nele, a não ser eu mesmo.
De modo que ele
construiu um muro alto em torno do jardim e colocou um cartaz de aviso.
OS INVASORES SERÃO
PROCESSADOS!
Ele era um Gigante
muito egoísta.
As pobres crianças
agora não tinham mais onde brincar. Elas tentaram brincar na estrada, mas a
estrada era muito poeirenta e cheia de pedras duras, e eles não gostavam.
Começaram a passear em torno do muro depois das aulas, conversando sobre o
lindo jardim que ficava lá dentro. "Como éramos felizes lá!", diziam
umas às outras.
Então chegou a
Primavera, e por todo o país apareceram pequenas flores e pequenos pássaros. Só
no jardim do Gigante Egoísta é que continuava a ser inverno. Os passarinhos não
gostavam de cantar lá, porque não havia crianças, e as árvores se esqueceram de
florescer. Uma vez uma flor bonita chegou a brotar, mas ao ver o cartaz de
aviso ficou com tanta pena das crianças que se enfiou de volta no chão e adormeceu.
Os únicos que estavam contentes eram a Neve e o Gelo.
- A Primavera se
esqueceu deste jardim - eles exclamaram -, de modo que podemos viver aqui o ano
inteiro.
A neve cobriu toda
a grama com seu manto branco, e o Gelo pintou todas as árvores de prata. Eles
convidaram o Vento do Norte para se hospedar com eles, e ele veio. Todo
enrolado em peles, rugia o dia inteiro pelo jardim, derrubando as chaminés com
seu sopro.
- Este lugar é
ótimo - disse ele. - Nós precisamos convidar o Granizo para vir fazer uma
visita.
E o Granizo
apareceu. Todos os dias, durante três horas, ele matracava no telhado do
castelo até quebrar quase todas as telhas, e depois corria, dando voltas pelo
jardim o mais depressa que podia. Sempre vestido de cinza, soprava gelo para
todo lado.
- Não entendo
porque a Primavera está demorando tanto a chegar! - disse o Gigante Egoísta,
sentado junto à janela e olhando para seu jardim frio e branco. - Espero que o
tempo mude logo.
Mas a Primavera não
apareceu, nem o Verão. O Outono trouxe frutos dourados para todos os jardins,
mas nenhum para o do Gigante.
- Ele é muito
egoísta - disse o Outono.
De modo que ali
ficou sendo sempre inverno, e o Vento Norte e o Granizo, a Neve e o Gelo
dançavam em meio às árvores.
Certa manhã, o
Gigante estava deitado, acordado, na cama, quando ouviu uma música linda Soava
com tal doçura em seus ouvidos que ele até pensou que deviam ser os músicos do
Rei que passavam. Na realidade era apenas um pequeno pintarroxo cantando do
lado de fora de sua janela, mas já fazia tanto tempo que ele não ouvia um só
passarinho em seu jardim que aquela parecia ser a música mais bonita do mudo. E
então o Granizo parou de dançar sobre a cabeça dele, e o Vento do Norte parou
de rugir, e um perfume delicioso chegou até ele, através da janela aberta.
- Acho que
finalmente a Primavera chegou - disse o Gigante. - E, pulando da cama, olhou
par fora.
O que ele viu?
A visão mais bonita
que se possa imaginar. Por um buraquinho no muro as crianças haviam conseguido
entrar, e estavam todas sentadas nos ramos das árvores. Em todas as árvores que
ele conseguia ver havia uma criança. E as árvores estavam tão contentes de
terem as crianças de volta que se cobriram de flores, balançando delicadamente
os galhos, por cima da cabeça da meninada. Os passarinhos voavam de um lado
para outro, chilreando de prazer, e as flores espiavam e riam. Era uma cena
linda, e só em um canto é que continuava as ser inverno. Era o canto mais
distante do jardim, e nele estava de pé um menininho. Ele era tão pequeno que
não conseguia alcançar os ramos da árvore, e ficou andando em volta dela,
chorando, muito sentido. A pobre árvore continuava coberta de neve e de gelo, e
o Vento do Norte soprava e rugia acima dela.
- Sobe logo,
menino! - dizia a Árvore, curvando os ramos o mais que podia. Mas o menino era
pequeno de mais.
E o coração do
Gigante se derreteu quando ele olhou lá para fora.
- Como eu tenho
sido egoísta! - disse ele. - Agora já sei por que a Primavera não aparecia por
aqui. Eu vou colocar aquele menininho em cima daquela árvore, depois vou
derrubar o muro, e meu jardim será um lugar onde as crianças poderão brincar
para sempre e sempre.
Ele estava
realmente arrependido do que tinha feito. E assim, desceu a escada, abriu a
porta da frente com toa à delicadeza, e saiu para o jardim. Mas quando as
crianças o viram ficaram tão assustadas que fugiram, e o inverno voltou ao
jardim. Só o menininho pequeno é que não fugiu, porque seus olhos estavam
marejados de lágrimas e não viu o Gigante chegar. E o Gigante aproximou-se de
mansinho por trás dele, pegou delicadamente em sua mão e o colocou em cima da
árvore. A árvore imediatamente floresceu, e os passarinhos vieram cantar nela;
e o menininho esticou os braços, passou-os em torno do pescoço do Gigante e o
beijou. Quando viram o Gigante, que não era mais mau, as outras crianças
voltaram correndo, e com elas veio a primavera.
- Agora o jardim é
de vocês, crianças - disse o Gigante. E pegando um imenso machado, derrubou o
muro. Quando toda a gente começava a iro para o mercado, ao meio-dia, lá estava
o Gigante brincando com as crianças no jardim mais bonito que todos já haviam
visto.
Elas brincavam o dia
inteiro, mas quando chegava à noite despediam-se do Gigante.
- Mas onde está seu
companheirinho? - perguntou ele. - O menino que eu botei em cima da árvore.
O Gigante gostava
dele mais do que de todos os outros, porque ele lhe havia dado um beijo.
- Nós não sabemos -
responderam as crianças. - Ele foi embora.
- Vocês têm de
dizer a ele par anão deixar de vir aqui amanhã - disse o Gigante.
Mas as crianças
disseram que não sabiam onde ele morava, e que jamais o haviam visto antes. O
Gigante ficou muito triste.
Todas as tardes,
quando acabavam as aulas, as crianças iam brincar como Gigante. Mas o menininho
de quem o Gigante gostava nunca mais apareceu. O Gigante era muito bondoso com
todas as crianças, mas sentia saudades de seu primeiro amiguinho, e muitas
vezes falava nele.
- Como eu gostaria
de vê-lo! - costumava dizer.
Os anos se
passaram, e o Gigante ficou mais velho e fraco. Ele já não conseguia brincar
direito, e então ficava sentado em uma poltrona enorme, olhando as crianças que
brincavam e admirando seu jardim.
- Tenho tantas
flores lindas - dizia ele -, mas as crianças são as flores mais bonitas de todas.
Certa manhã de
inverno, ele olhou pela janela enquanto se vestia. Agora já não odiava o
inverno, pois sabia que este era apenas a Primavera enquanto dormia, e que as
flores estavam descansando.
De repente ele
esfregou os olhos, espantado, e olhou, e olhou, e olhou. Era por certo uma
visão maravilhosa. No cantinho mais distante do jardim havia uma árvore toda
coberta de flores brancas. Seus ramos eram dourados, carregados de frutos de
prata, e debaixo deles estavam o menininho que ela amava.
O Gigante correu
pelas escadas, com a maior alegria, e saiu para o jardim. Cruzou depressa o
gramado e chegou perto do menino. E quando chegou bem perto, seu rosto ficou
rubro de raiva, e ele disse:
- Quem ousou te
ferir?
Nas palmas das mãos
da criança estavam as marcas de dois pregos, como também havia marcas de dois
pregos em seus pezinhos.
- Quem ousou te
ferir? - gritou o Gigante. - Dize-me, para que eu possa tomar de minha grande
espada para matá-lo.
- Não - respondeu o
menino -, pois essas são as feridas do Amor.
Quem és? -
perguntou o Gigante, e quando o temor apossou-se dele, ajoelhou-se diante da
criança.
A criança sorriu
para o Gigante e lhe disse:
- Você me deixou,
certa vez, brincar em seu jardim, e hoje você irá comigo par ao meu jardim que
é o Paraíso.
Naquela tarde,
quando as crianças chegaram correndo, encontraram o Gigante morto, deitado
debaixo da árvore, todo coberto por flores brancas.
Fonte: <http://oscarwilde2k.blogspot.com.br/2009/01/o-gigante-egoista.html>